05 novembro, 2014

às vezes ela sentava ali,
naquela beirada de precipício
(que a bem da verdade costumava ser uma sarjeta
ou beirada de cama qualquer)
no meio do caminho de um pulo que nunca chegava.
pendurava-se pelos pulsos que doíam,
respirando o vento parado na sua cara,
o gosto férrico no fundo da garganta
"todos os caminhos nos levaram até aqui"
e linhas desenhavam-se em sua pele
como quem conta uma história.
os olhos muito brilhantes e murchos de um cachorro preto
a olhavam em interrogação
e ela tentava lhe dizer que tudo aquilo tinha feito sentido antes
mas tudo que ela via sair da própria boca
não fazia sentido algum.
a paleta da minha cabeça está mudando de cor
novamente
-- era isso que ela tentava lhe dizer.
mas ele sabia
porque era por isso que ele estava ali
sentado ao seu lado naquela beirada de precipício
que era só uma calçada ou uma cama ou um banco regulável.
em sua mão, ela segurava um punhado de gravetos,
papéis amassados em cartas
e um bilhete de embarque.
não sabia como chegar ao lado.
queria acreditar que transpondo um oceano
tudo voltaria a arder.
e ardendo, doeria,
mas doendo,
saberia-se viva.

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